domingo, 21 de dezembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira

Leonora Luz

Semanas atrás minha mãe trouxe o Carlinhos, seu jardineiro e faz-tudo pra me ajudar-me com os canteiros e pequenos reparos aqui em Copacabana. Dia de trabalho cumprido, e antes de voltar pra Itaipava ela me perguntou que filme havia em cartaz pra uma sessão de última hora e sugeri o melhor da temporada, "Ensaio sobre a cegueira", de Fernando Meireles, baseado na obra de José Saramago.

Ia ela saindo animada mas lembrou-se que o jardineiro também teria que assistir o filme e perguntou se era assunto que ele pudesse entender. Respondi que, com uma sinopse explicativa do ponto de vista de Saramago sobre o mundo feito pelos homens, não haveria empecílio ao entendimento e já ia fornecendo o resumo quando ela interrompeu impaciente e disse no interfone: ele está subindo pra pegar o resto das coisas, diga diretamente à ele.

Eu sempre obedeço. Obedecer é comigo mesma. Expliquei a ele que, pra Saramago, as forças do Bem e do Mal existem dentro de cada ser humano que muitas vezes justifica seus atos, mesmo os mais atrozes, em nome de Deus, sua criação. Disse-lhe que numa sociedade onde todos habitantes fossem gradualmente ficando inabilitados, por exemplo cegos, o Governo passa a ser assistencial e em seguinda ditatorial até chegar-se ao desgoverno e ao caos. Prevalece então a Lei do mais forte, não necessariamente do mais justo. E neste momento, qualquer coisa pode passar a ser a regra e a Lei.

Como minha mãe é muito ansiosa e não parava de interfonar, despedi-me do jardineiro que me ouvia com fervor parecendo ter entendido perfeitamente a explicação sobre o que ia assistir.

No dia seguinte liga-me mamãe de Itaipava: Leo, me explica aquele filme que eu não entendi nada... E acrecentou, "O Carlinhos gostou muito".

Passando por aqui ontem, em ocasião do jantar de aniversário do marido comemorado com amigos do Rio na mesma de sempre caríssima pizzaria Capricciosa, mamãe encontrou o romance que originou o filme na minha biblioteca e levou-o certa de que lendo-o, entenderá o filme. Mas eu suspeito que a dificuldade será a mesma, pois o filme é, justamente, sobre a cegueira...

domingo, 30 de novembro de 2008

Os homens desejam as mulheres que não existem?

Estava relendo este trecho de um artigo do Jabor:

...Só vejo meninas oferecendo a doçura total, todas competindo no mercado, em contorções eróticas desesperadas porque não têm mais o que mostrar.
Nunca as mulheres foram tão nuas no Brasil: já expuseram o corpo todo, mucosas, vagina, ânus. O que falta? Órgãos internos?


A exposição é grande, a oferta imensa... tem uma estória que já vivi zozentas vezes. O sujeito cai do céu em algum curso da Caerj, baile de salão, avião, encontro social qualquer e que é tão simpático, não tem pressa de me conhecer. Trocamos emails e depois telefonemas, pois sempre há um projeto de trabalho envolvido. Aí de repente o fulano vira pretendente e precisa me reencontrar com urgência!

Agora sim, é pra sair, voar de asa delta, ir ao cinema já! Como atualmente temos no dia-a-dia coisas como Messenger, aproveito pra cutucar um pouquinho mais e lá pras tantas do chat online vem a revelação fatídica: é casado, sim senhora, vai fazer um cruzeiro de 4 dias com a namorada, e por isso nosso encontro é pra ontem ou só pra semana que vem, quando tiver vaga...

Uns arrefecem quando o segredinho deles vem à tona da minha bisbilhotice, outros insistem no encontro e sentem-se insultados em caso de recusa. Fico bege: como conseguem ser tão cara de pau e se sentirem tão seguros na cantada? É que o topa-tudo é panorâmico a promisquidade tornou-se o padrão, não mais a excessão à regra. Simples assim. Eles nada tem a perder em tentar trepar com todas as mulheres que andam por aí. Elas estão expostas em vitrines virtuais, desfilando em mini roupinhas, malhadas e desponíveis. E a maioria... topa!

Jabor escreveu ainda:

... Silicone, pêlos dourados, bumbuns malhados, tudo para agradar aos consumidores do mercado sexual. Vejo que no Brasil o feminismo se vulgarizou numa liberdade de "objetos", produziu mulheres livres como coisas, livres como produtos perfeitos para o prazer. A concorrência é grande para um mercado com poucos consumidores, pois há muito mais mulher que homens na praça (e-mails indignados virão...).
Nunca as mulheres foram tão nuas no Brasil...

...mas todas nos olham dentro dos olhos como se dissessem:"Venham...eu estou sempre pronta, sempre alegre, sempre excitada, eu independo de carícias, de romance!..."

...Tanta oferta sexual me angustia, me dá a certeza de que nosso sexo é programado por outros, por indústrias masturbatórias, nos provocando desejo para me vender satisfação.

...Mas, na verdade, elas querem amar e ser amadas, embora tenham de ralar nos haréns virtuais inventados pelos machos.

...Por isso, com a crise econômica, o grande sucesso são as meninas belas e saradas, enchendo os sites eróticos da internet ou nas saunas "relax for men", essa réplica moderna dos haréns árabes. Esta é a utopia masculina: satisfação plena sem sofrimento ou realidade.

...A democracia de massas, mesclada ao subdesenvolvimento cultural, parece "libertar" as mulheres. Ilusão à toa. A "libertação da mulher" numa sociedade ignorante como a nossa deu nisso: superobjetos se pensando livres, mas aprisionados numa exterioridade corporal que apenas esconde pobres meninas famintas de amor e dinheiro. A liberdade de mercado produziu um estranho e falso "mercado da liberdade". É isso aí.


É isso ái, Jabor.

sábado, 22 de novembro de 2008

Tribalistas

Ser de ninguém


A. Jabor (será mesmo???)


Na hora de cantar todo mundo enche o peito nas boates,

nos bares, levanta os braços, sorri e dispara: "eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também".

No entando, passado o efeito do uísque com energético e dos beijos descompromissados,

os adeptos da geração "tribalista" se dirigem aos consultórios terapêuticos, ou alugam os ouvidos do amigo mais próximo e reclamam de solidão, ausência de interesse das pessoas, descaso e rejeição.

A maioria não quer ser de ninguém, mas quer que alguém seja seu.

Não, infelizmente pra ficar somente com a cereja do bolo, beijar de língua, namorar e não ser de ninguém.

Para comer a cereja é preciso comer o bolo todo e nele, os ingredientes vão além do descompromisso, como: não receber o famoso telefonema no dia seguinte. Não saber que se está namorando mesmo depois de sair um mês com a mesma pessoa, não se importar se o outro estiver beijando outra, etc.

Desconhece a delícia de assistir a um filme debaixo das cobertas num dia chuvoso comendo pipoca com chocolate quente, o prazer de dormir junto abraçado, roçando os pés sob as cobertas e a troca de cumplicidade, carinho e amor.
Namorar é algo que vai muito além das cobranças.
É cuidar do outro e ser cuidado por ele. É telefonar só pra dizer bom dia. Ter uma boa companhia para ir ao cinema de mãos dadas, transar por amor, ter alguém para fazer e receber cafuné, um colo pra chorar, uma mão para enxugar lágrimas, enfim, é ter "alguém pra amar".
Somos livres para optarmos! E ser livre não é beijar na boca e não ser de ninguém. É ter coragem, ser autêntico e se permitir viver um sentimento...



Pois é...

Duvido que a autoria seja do Jabor, mas sempre dão autoria a ele e ao Veríssimo, João Ubaldo, Neruda ou Confúcio!!! Ainda não li nada de Tiradentes mas vou criar um texto "dele" já já.

O conceito tá perfeito
apesar de piegas mas tudo conspira contra...

Outra noite um indivíduo cujos cornos jamais vi antes insistia pra dançarmos um forró na parte alta e ainda desocupada de gente da Casa Rosa em Laranjeiras... Desconfiada, perguntei se ele sabia dançar forró... claro, insiste o cidadão e me leva lá pra cima pra provar suas capacitações. Não sabia, é óbvio, e queria mesmo se atracar com minha incauta pessoa, mais óbvio ainda. Sugeri aulas práticas em alguma academia, iniciei-o em dois passinhos básicos já que sou, eu mesma, professora da matéria, e ele finalmente confessou que queria mesmo é "ficar" comigo... Confirmei junto ao suplicante o já sabia, "ficar" em linguagem contemporânea é " beijar" né? É, responde a criatura. E porque haveria eu de beijar um desconhecido? Peço licença pra descer e ele sai primeiro, chateado... Incrível, ainda ficou chateado!!!
Acho que desta encarnação saio ilesa de um mísero relacionamento verdadeiro, mas... fazer o que?